Tosse
O toque gentil entrou como flecha
O corpo tremeu como calcanhar,
Ele contemplou a sua desgraça
E de seus sentimentos heroicos
Do peito para os olhos
O desejo aumentou,
Dos olhos para peito,
O coração disparou
Com a medida que mediu
Foi logo medido,
Com a flecha que lançou
Se viu ferido
Os votos então foram feitos:
Ele empunhou a espada
Beijou sua lâmina
E a guardou na bainha
Pois não sabia o que era,
Mas sabia o que poderia ser
Sentia de forma muito consciente
Para saber o que dizer…
Então houve timidez serena
Houve doce silêncio,
Houve vigor juvenil
O vinho brilhava em suas taças,
De cor vermelha,
Como as vestimentas de Baco:
Se movia suavemente
Ao movimento das mãos
O sorriso brilhava em seus rostos
Revelando a juventude
Que no campo do tempo,
Alheios a nostalgia,
Nada fazem pelo eterno
Não houve espetáculo,
Não houve armadilha.
Não houve amargura.
Não houve poesia.
Amaram-se
Outra vez,
Não por fim.
Somaram-se
Mais uma vez,
Até o fim.
Faziam-se pelo silêncio
E não mais pelo que diziam,
Não constatavam, sentiam
Sentiam.
Então como mágica,
Concebida no mais alto monte,
O beijo se desenrolou em pergaminho
Confinando o infinito e a imensidão,
Nele foi santificado e, imobilizado,
Ouvindo atentamente aquela oração:
Sem sujeito, era só predicado
Sem quantidade, era apenas qualidade
Sua sabedoria era ser nada
Seu amor era ser tudo.
Ele sentiu como se Deus,
Por um único minuto,
Cessasse a fome com o alimento
Resolvesse a guerra com a paz
Contivesse a doença com a cura
Acolhesse a cólera com igualdade,
Revivesse em menino saudável e livre,
Eterna criança que não conhece o açoite,
Sem Senhor e sem dor
Sem martírio ou cruz,
Esse.
E sê.
E se?
Glória ao Altíssimo na terra
Glória ao Altíssimo em mim!
Por um minuto os homens se veriam como homens
E no minuto seguinte nada voltaria ao normal.
Tudo seria como é:
Um eterno instante divino.
O beijo cessa como tragada jovem,
Forte e sensual,
Capaz de levar o tempo com os pulmões
E traze-lo de volta no minuto seguinte,
Ainda que o estrago esteja feito,
Ela se afasta devagar,
Com os olhos novos
E o sorriso largo
Enquanto ele,
Com as pernas fracas,
E o peito quente,
Tosse.
– João Narciso