Entropia
Estúpido maltrapilho, ignóbil ignorante,
energúmeno, abominável excerto,
incapaz, sonhador, doente e tenso.
Domingo ansioso, acabado antes de acabar,
incapaz confiante, réptil – na sombra –,
angustiado, estatuado, frio e irreverente,
travado inato, idílico impuro, curto e irreal,
mal-amado, indesejado.
Ego dissipado: o dos outros, eu, de quem criticado,
pequeno ignavo, poltrão escravo,
opositor, compositor de inércia.
Física artificial, físico agachado,
estômago predisposto, capacidades aleijadas
por si mesmo. Doente, sozinho, opaco na calamidade.
Bobo bipolar, comediante invisível,
escritor de merda. Caga todo dia,
cunha lágrimas a pulso, assina embaixo:
esfarrapado, em letras cursivas,
incompreensíveis e ignoradas.
Analgésico inibidor de empatia,
um sujeito ímpar, sozinho, divisível
por si mesmo, anjo caído, em último lugar.
Peito aberto para o desespero,
rei revogado, receoso regular,
pávido pequeno, réu recorrente,
crime recôndito, perdão reticente,
julgamento permanente.
Retilíneo, côncavo, reles romântico,
repugnante, radicado, relativo, rígido,
ruído rouco, rima rascante, que rima com “erre”:
ruim, rimbaud, roedor de migalhas espalhadas,
assinaladas e pagas, atrasadas e parceladas.
Imbecil, hermenêutico,
esquizofrênico no sentido literal:
literalmente inacessível, incomunicável,
indeciso, comedido, sobrenome sortido,
patrimônio sonegado, soprano desafinado,
calmo, voraz e meu amigo.
Belo nos sentidos, íntimo dos livros,
inteligente na medida. Vós sois íntegro,
capacitado, burocrático, libertino,
trabalhador, um moço adulto.
Adúltero apaixonado por uma vida abastada
de novas vias, cavalheiro respeitoso,
putanheiro faminto por compaixão.
Condescendente, clemente, clarividente prático.
Sonha e faz, e jaz, e ama, e devora,
saciado e satisfeito, imaculado, treinado
na alegria profana, e perdoado, feliz.
Sorridente, criança selvagem, valente defensor,
acolhedor, poeta simples, rabisca elogios.
É quinta de alívio, sexta de chances,
frenesi sereno, carnavalesco,
líder eleito, justo,
autônomo, dialético.
Ajuda e avisa,
frisa,
se importa e se doa.
Humilde, calejado,
se presta no sorriso balbuciado,
e compreende,
e muda de novo,
e escuta o coração que bate,
a voz que teima.
E é eu,
e tu,
e o planeta que gira,
a estrela que arde,
o sistema vedado,
no dedo que aponta.
Um modelo provado,
completo,
repleto,
confuso.
– João Narciso